Ela se preencheu de liberdade

Taynara Pereira se redescobriu após estudar suas origens e conviver com outras mulheres negras (FOTO: Gabriela Isaias)
Chega a ser música para os ouvidos saber que quem decretou a liberdade de Taynara Pereira foi ela mesma. Depois de uma adolescência conturbada em busca de aceitação, a assistente social encontrou sua própria identidade após ter contato com coletivos de mulheres e ativistas do movimento negro no Mato Grosso do Sul durante a faculdade.

Hoje a campo-grandense busca incentivar as crianças de sua família ao autoconhecimento falando sobre suas raízes sobre seu processo de autoaceitação. Aos 27 anos Taynara fala, nessa entrevista, sobre a união fortalecedora das mulheres negras e a importância da representatividade racial na mídia.

Aquela Garota da Foto: Você é formada em Serviço Social. Quando você decidiu entrar nesse curso?
Taynara: Eu demorei um pouco pra perceber o que eu queria porque tive uma adolescência meio conturbada. Então fiquei enrolando pra entrar na faculdade porque não sabia o que queria. Lá pelos 19 eu fui me identificando com essa área e pesquisei sobre o curso. Por ter me identificado tanto com o trabalho de assistente social e pela defesa dos direitos que eu escolhi fazer Serviço Social.

AGF: Você é bastante engajada no movimento negro e na valorização da beleza negra natural. Na sua casa vocês conversavam sobre esses temas?
T: Aqui em Campo Grande eu participo do Coletivo de Mulheres Negras e também faço parte de um movimento chamado Crespos e Cachos, que usa a estética como instrumento de luta contra o racismo. Mas não tinha isso na minha família. Ninguém nunca chegou pra mim ou pra qualquer outra pessoa e falou “olha, a sua cor é essa, o seu cabelo é assim, você é linda assim, etc”. A minha avó é cearense e meu avô pernambucano. Da família, quem tem o tom de pele mais escuro é o meu pai, então eu saí mais escura também. Nunca falaram pra gente sobre a história do negro, sobre racismo, nada. 

Hoje a assistente social busca conscientizar sua família sobre as questões raciais (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: Então você se inteiro mais desse assunto na faculdade?
T: Sim, sim. Tudo eu aprendi no meu dia a dia, com as convivências que eu tive dentro da universidade e no coletivo de mulheres. Assim eu fui conhecendo, aprendendo e começando a absorver mais esse assunto e passá-lo adiante. Hoje faço um pouco disso com as crianças da minha família: falo sobre cabelo crespo, cabelo cacheado, pele escura, pele clara e conscientizo os próprios pais das crianças porque a minha família tinha o costume de fazer piadinhas sobre cabelo, cor e feições. Aos poucos a gente foi quebrando e desconstruindo isso com a conversa, tanto com adultos quanto com os mais novos.

“Conforme me aprofundei na juventude negra comecei a me libertar”

AGF: Você disse que teve uma adolescência conturbada. Como foi esse processo de descoberta enquanto mulher negra?
T: Então, hoje eu me aceito enquanto mulher negra, mas foi um processo de desconstrução total! Lembro que na minha adolescência eu passei por algumas coisas ruins e desejava ter o cabelo liso, queria que a minha pele fosse mais clara… Até porque o padrão de beleza do meu período adolescente era esse. Eu não cheguei a ter o cabelo “liso escorrido”, mas alisava a raiz e deixava cachos nas pontas. Depois parei de fazer essa química e deixei meu cabelo natural. Só que, por mais que eu não alisasse, também não usava ele solto. Vivia com ele preso ou passava um pote de creme pra ele ficar baixinho! [Risos] Conforme fui me aprofundando na juventude negra, comecei a me libertar.

As lembranças favoritas de Taynara são as brincadeiras na rua de terra com seus primos e irmãos (FOTO: Gabriela Isaias)

AGF: E quem te mostrou essa liberdade?
T: Esteticamente falando, famosas como Adriana Bombom, Sheron Menezes, Taís Araújo… É a questão da representatividade. A partir dessas mulheres foi que eu comecei a achar o cabelo black bonito porque, com elas, a sociedade começava a aceitar mais os cachos. Agora, em termos de luta e de empoderamento foram as meninas negras mais próximas a mim que me inspiraram. A Axana, por exemplo, foi uma pessoa que me fez enxergar e desconstruir vários preconceitos que eu tinha e não me dava conta, alguns até em relação à minha própria liberdade. Ela é uma referência de mulher negra empoderada, de mulher livre. Aprendi muito com ela.

“Quando as mulheres negras se unem passam o empoderamento adiante”

AGF: O que você diria, se pudesse, para todas as mulheres negras do mundo?
T: Eu diria que nós temos que saber de onde viemos, quais são as nossas raízes, e estudar sobre a nossa cultura pra gente ver que existe muita beleza, muita força e muita luta. Ser mulher negra não é fácil, mas nós temos garra e pulso firme, carregamos força em tudo. Quando nós nos assumimos, seja no cabelo, no andar, na cabeça erguida, em um turbante ou até em um colar, ficamos ainda mais fortes. E a partir do momento em que você assimila essa força, está pronta para fortalecer outras irmãs e distribuir seu empoderamento. Então vamos ajudar umas as outras e seguir na luta sem abaixar a cabeça pra ninguém! Somos mulheres, somos negras e somos lindas! Quando nos unimos passamos o empoderamento adiante.

A ariana é apaixonada pela Bahia, principalmente pela cidade de Salvador (FOTOS: Gabriela Isaias)
AGF: Agora uma pergunta mais divertida! Se a sua vida pudesse ser exatamente igual a de um personagem de um filme ou livro, quem você escolheria ser?
T: Olha, gosto muito da Tiana, de A Princesa e o Sapo. Ela é independente, bastante determinada e gosta de fazer as coisas do jeito dela. Então acho que eu pareço com ela! [Risos] Além dela ser negra ❤.

AGF: Você lembra as últimas três músicas que ouviu?
T: Sim! “Primavera” e “Good Trip”, da Tássia Reis e “Mufete”, do Emicida.

Ela conta que a partir de famosas com fios crespos que passou a achar seu cabelo bonito (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: Você disse que você mudou bastante com o passar do tempo. O que a Taynara de agora diria para a Taynara de antes?
T: Eu diria pra ela nunca achar que já sabe de tudo e estar sempre em processo de conhecimento. Também diria pra ela ser mais livre, não se prender a ninguém tão cedo e não achar que a felicidade está no outro, pois existem outras maneiras de ser feliz. Mas, nossa, que difícil! Vou passar a noite inteira pensando nessa pergunta.

AGF: Bem, você deu um recado para a Taynara de antes. Agora eu quero que você manda uma mensagem da Taynara de agora para a Taynara do futuro.
T: Eu diria: “seja feliz à sua maneira, sem se importar com as construções sociais e com a opinião de pessoas que não te fortalecem em nada. Seja feliz e seja livre!”.

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LIGEIRINHAS

O que te tira o sono? Problemas familiares.
Um medo. Perder a minha família.
Uma frustração. Não trabalhar na minha área.
Uma saudade. Salvador.
Café ou Toddynho? Chá sem açúcar! [Risos]
Um superpoder. Mudar as mazelas do mundo.
Maternidade. Medo!
Um filme. A Última Música.
Foi golpe ou não foi golpe? Foi golpe!
Manda nudes? Mando muito! [Risos]
Três perfis no Instagram. @recadosderua, @poesia.me e não consigo me lembrar um terceiro...
Um cheiro. De baiano ♥.
Uma pessoa. Poxa, pode ser "pãe", mistura de pai e mãe?
Uma palavra. Desapego.

Para ver mais fotos de Taynara clique aqui e acesse o meu Flickr.


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