Como manda o mapa astral

Apaixonada por Arquitetura e Decoração, Thayná está na reta final do curso de Design de Interiores (FOTO: Gabriela Isaias)
Com a mesma intensidade que pode ser sensível, Thayná pode ser impetuosa. Ela mesma diz ser um monstrinho, como manda seu signo, Áries, mas calma na medida certa graças ao seu ascendente e lua em Peixes. É que Thayná adora signos e credita ao mapa astral sua emoção à flor da pele, personalidade forte e uma boa dose de timidez. Essa dualidade está presente até mesmo no dia em que ela nasceu: “era 13 de abril, uma sexta-feira santa, mas ainda assim uma sexta-feira 13!”, diverte-se.

Há pouco mais de dois anos Thayná Britto recebeu uma notícia que mudou toda a sua relação consigo mesma: um problema sério de saúde fez com que a designer enxergasse a vida com olhos totalmente diferentes. Hoje, praticamente curada, a jovem carioca de 26 anos aprendeu o significado de amor próprio e se aprofunda cada vez mais no feminismo interseccional. Nessa entrevista Thayná conta um pouco sobre sua vida, curiosidades e sua postura feminista enquanto mulher negra.

Aquela Garota da Foto: Você tinha cabelo comprido! Quando cortou?
Thayná: Sempre tive cabelo grande porque quando eu era pequena começou a crescer, mantive ele comprido e me apeguei. Não queria cortar de jeito nenhum, era apaixonada! Só que há dois anos descobri por acaso um adenoma hipofisário [tumor cerebral na hipófise] e...

Extremamente tímida, a carioca é "sensível e chorona", como ela mesma diz (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: Espera. Você descobriu um tumor?
T: Sim. Eu passava mal, com dores de cabeça, tonturas e não sabia o motivo. Até que um dia fui pro hospital e depois de alguns exames disseram que iam me internar porque eu estava com um possível sangramento no cérebro. Aí foi aquele desespero todo, a internação... Depois de dois dias e uma bateria de exames, a minha família estava toda reunida no hospital e o médico veio com a notícia de que eu não estava com sangramento, mas com um tumor na hipófise.

Ela conta que após o grave problema de saúde, parou de perder tempo com detalhes desimportantes (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: Nossa.
T: Ele jogou essa notícia como se fosse nada. Até porque acho que os médicos já estão acostumados com esse tipo de diagnóstico, não sei. Só que o meu mundo caiu. A minha família ficou com medo, os meus amigos ficaram sem saber o que fazer e eu só chorava. Foi um período muito difícil da minha vida em que fiquei internada por quase um mês e passei por coisas que jamais imaginei que passaria. Foi quando tive a notícia de que teria que fazer uma cirurgia já que a dor só poderia ser eliminada através de uma operação. Então falaram que eu teria que raspar a cabeça pra fazer o corte. Naquela hora o meu mundo caiu de novo porque meu cabelo era uma coisa muito importante pra mim. Eu já estava abalada com a descoberta do tumor, estava piorando por estar no hospital [Thayná teve uma infecção hospitalar durante esse período] e descobrir que teria que raspar o meu cabelo foi mais uma barra pra enfrentar. 

“Abri mão de uma vaidade pra doar a alguém que se sentirá melhor com esse meu gesto”


AGF: Poxa, Thayná… Como foi isso? Você fez a cirurgia?
T: Um dos meus colegas de trabalho conhecia uma pessoa que trabalhava no Hospital do Cérebro. Quando ele falou da minha situação, essa pessoa enviou uma equipe ao hospital para ver como eu estava e se tinha a real necessidade de estar internada, já que eu só piorava. Após alguns exames eles disseram que, apesar das dores que eu sentia, era melhor que eu continuasse fazendo o tratamento em casa, realizando exames e tomando a medicação, mas que não operasse naquele momento porque o risco seria muito grande e as consequências também. Mas, voltando à pergunta inicial sobre o motivo de eu ter cortado: eu não precisei cortar o cabelo, mas me desapeguei. Vi que isso não era o mais importante. Então decidi doar pra quem está passando por isso e não têm a escolha de raspar ou não o cabelo. Abri mão de uma vaidade pra doar a alguém que se sentirá melhor com esse meu gesto. 

Ao longo de dois anos Thayná foi internada três vezes e quase passou por uma cirurgia (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: Bela atitude. Isso faz quanto tempo?
T: Faz um ano da minha última internação e eu não sei explicar bem o que aconteceu na minha vida. Foi um período difícil e, embora eu não saiba porque tive que passar por isso, sei que hoje vivo um milagre. Passei por momentos que achei que iria morrer e agora estou aqui contando essa história. 

“O importante é focar no amor das pessoas e ter a fé de que vai ficar tudo bem. É só sobre fé”

AGF: O que você aprendeu com essa experiência?
T: Embora tenha sido muito difícil, sou grata por tudo que aconteceu porque toda essa dor me fez crescer como pessoa e hoje sou alguém muito melhor. Agora percebo que a nossa vida é um sopro que a gente pode perder de uma hora pra outra. Também percebi o quão grande pode ser o amor das pessoas por alguém e descobri o quanto as pessoas que estavam à minha volta me amavam, torciam pela minha cura e vibravam por cada melhora. Elas estavam ali por preocupação e amor, não por alguma coisa que eu pudesse fornecer ou dar em troca. Eu estava passando por alguns momentos difíceis e não conseguia acreditar que ia sair dessa e ficar bem. Mas hoje, dois anos depois, eu estou aqui, bem, e posso dizer que milagres acontecem. Às vezes a gente pensa que nada nunca vai mudar ou se resolver, mas quando acreditamos, de alguma forma, as coisas acabam acontecendo. Podem até não acontecer na hora, mas em um determinado momento acontecem. O importante é focar no amor das pessoas e ter a fé de que vai ficar tudo bem. É só sobre fé.

Doce, Thay conta que procura sempre se colocar no lugar dos outros (FOTOS: Gabriela Isaias)
AGF: Bem, vamos descontrair um pouquinho? Me diga algo que poucos sabem sobre você?
T: Eu sou tímida! [Risos] É sério! Sou muito tímida. Ninguém acredita e jamais imaginaria, mas eu morro de vergonha se eu chego em um lugar que não conheço ninguém, de falar em público…. São coisas que eu evito ao máximo. A propósito, eu tava morrendo de vergonha no ensaio! [Risos]

Ela se aproximou do feminismo na faculdade e tem a mãe como maior exemplo de independência (FOTOS: Gabriela Isaias)
AGF: Se a sua casa pegasse fogo e você pudesse salvar um objeto, qual seria?
T: Não vou falar “meu celular” porque ele tá sempre na minha mão! [Risos] Então eu salvaria um antigo diário meu, pelo qual tenho muito carinho.

AGF: Qual é o seu guilty pleasure? Aquilo que você ama e morre de vergonha de contar pra alguém?
T: Eu chupei dedo até os 14 anos! [Risos] Eu chupava dedo cheirando um paninho e só conseguia dormir assim. Minha mãe colocou pimenta, várias coisas pra eu largar o paninho, mas mesmo assim não funcionou. Só larguei de vez por vontade própria aos 14 anos e nunca mais coloquei o dedo na boca. Mas com o paninho eu continuo até hoje! [Risos] Todas as noites eu durmo com ele.

Por ter cabelo liso e nome indígena, constantemente Thayná é lida como índia, não negra (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: Você faz faculdade de Design de Interiores, certo?
T: Sim, já tenho formação técnica em DI, mas agora faço faculdade e acho que me encontrei. Já passei por Fisioterapia, Psicologia e Serviço Social, pro qual eu pretendo voltar em breve. Aliás, eu queria muito juntar as duas áreas, do Design com Serviço Social, porque sou apaixonada pelas duas.

“Passei a entender melhor e perceber que as pessoas são diferentes e pensam de outras maneiras, mas que o respeito deve estar acima de tudo”

AGF: E porque você não completou Serviço Social?
T: Eu fiquei muito triste por ter que trancar, já que na época estava doente e a UFRJ entrou em greve. Mas foi ali que eu melhorei minha empatia com o próximo e descobri o feminismo. Passei a entender melhor e perceber que as pessoas são diferentes e pensam de outras maneiras, mas que o respeito deve estar acima de tudo. E o Serviço Social tem muito disso, de buscar os direitos do outro independente da crença, raça, orientação sexual. O assistente social está ali para orientar qualquer uma dessas pessoas e garantir os direitos delas. Lá [na faculdade de Serviço Social] aprendi a não julgar e ter mais empatia. Acho que isso me fez crescer como pessoa e me ajudou a ser alguém melhor. Por isso eu quero muito voltar a fazer esse curso.

Apesar de amar Design de Interiores, ela conta que sonha em finalizar o curso de Serviço Social (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: Você é feminista?
T: Eu sou feminista porque não poderia ser diferente. Eu quero e luto, como as outras meninas que eu conheço, pelo fim do machismo, pelo fim da cultura do estupro, pelo fim da violência sexual, tudo isso que nós sofremos só por causa do gênero. Eu não poderia ir contra isso. Sendo mulher, só poderia ser feminista.

“Sendo mulher, só poderia ser feminista”

AGF: E foi na faculdade de Serviço Social que você entrou em contato com o feminismo?
T: Na faculdade eu pude conhecer o movimento em si, principalmente o feminismo interseccional e negro. Mas eu já era feminista, embora não me denominasse. Acho que o maior exemplo de feminismo pra mim é a minha mãe, que enfrentou céus e terras, além de um pai e um marido machistas. Ela é uma mulher forte e sempre batalhou pra que eu estudasse, fosse uma pessoa melhor e pudesse ir a lugares que ela não pode estar por não ter tido tanto estudo quanto eu tive a possibilidade de ter. Minha mãe é da igreja, então ela nem gosta muito quando eu falo que sou feminista porque ela entende de uma outra forma (como algumas pessoas religiosas veem o feminismo). Mas mesmo assim ela é o meu maior exemplo. Se hoje eu sou forte e sei que posso ir além é por causa dela. 

A designer nasceu no Rio de Janeiro (RJ),  mas também morou em Cariró, no interior do Ceará (FOTOS: Gabriela Isaias)
AGF: Você falou sobre feminismo negro. O que você pensa dele quando comparado ao feminismo “comum” ou “branco” que está em pauta na maioria das mídias sociais hoje em dia?
T: O que acontece é que o feminismo branco passa a ideia de que todas as mulheres são vistas como iguais. E não é assim que funciona na prática. Existem diferenças e recortes. Mulheres negras, lésbicas, pobres ou periféricas sofrem um preconceito muito maior do que as mulheres brancas já que o feminismo é composto, na maioria das vezes, por mulheres brancas que geralmente estão em um padrão imposto pela sociedade. Então seja no mercado de trabalho ou em um relacionamento, elas são mais aceitas que as mulheres negras, lésbicas, gordas, pobres ou não. É por isso que não se pode colocar realidades tão distintas em uma mesma balança. Não seria justo pensar que as mulheres brancas e negras passam pelos mesmos dilemas e problemas. Não digo que mulheres brancas não sofram agressões, não é isso. Mas quando se é negro parece que você tem mais uma luta pra enfrentar. Veja bem, eu não estou diminuindo a causa das mulheres brancas, mas apenas explicando que deve haver um recorte.

“O meu cabelo é liso e meu nome é Thayná, então isso contribuiu pra que as pessoas sempre me identificassem mais como índia que negra”

AGF: Você sempre se considerou negra? Como foi esse processo de identificação?
T: Eu sou filha de um pai negro e uma mãe branca, loira dos olhos verdes. Então eu tenho a pele um pouco mais clara que o meu pai. Os meus irmãos mais velhos são muito brancos, como a minha mãe, e eles sempre me chamaram carinhosamente de pretinha. A família do meu pai é negra e eles sempre tiveram muito orgulho disso, que foi muito importante desde sempre na minha formação. Então eu sempre entendi que era negra, apesar de nunca ter sofrido preconceito por isso. Só que o meu cabelo é liso e meu nome é Thayná [nome de origem indígena], então isso contribuiu pra que as pessoas sempre me identificassem mais como índia que negra. Não que isso fosse ruim, mas algumas pessoas realmente não me veem como negra por conta disso e também pela minha pele não ser tão escura. 

Thayná diz que, após muitos problemas com o próprio corpo, hoje se ama do jeito que é (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: Socialmente você é lida como negra?
T: Como meus irmãos eram muito brancos, eu sabia que não era branca. Então nunca tive problema em me denominar negra, até porque sempre achei a cor do meu pai muito bonita e pra mim sempre foi um orgulho ser parecida com ele. Mas as pessoas têm um pouco de medo de falar a palavra negra, né? Então geralmente falam “ah, você é moreninha, não negra”, como se ser negra fosse uma coisa ruim e que remetesse à escravidão. Só que negros não são descendentes de escravos. Há uma história ancestral muito maior antes de disso.

Para ela, o feminismo e sua experiência de quase morte impulsionaram a autoestima que tem hoje (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: Como é a sua relação com o seu corpo?
T: Eu amo o meu corpo! Acho que a minha autoestima é muito melhor agora do que quando eu era magra. Depois que eu ganhei peso a minha autoestima melhorou e é até engraçado porque às vezes as pessoas chegam em mim para dizer que eu engordei. Elas tratam isso como uma coisa ruim! Só que eu entendo que, se estou saudável, com os meus exames em dia e sem nenhum problema, porque me sentiria mal por estar acima de um peso que a sociedade gostaria que eu tivesse? Hoje minha forma de lidar com o meu corpo e com a vida é muito melhor. Ter conhecido o feminismo ajudou bastante pra que eu me amasse como sou independente do que as pessoas falem ou digam. 

“Quando a gente passa por uma experiência de quase morte, começa a se preocupar com o que de fato é importante e deixa de perder tempo com detalhes”

E a autoestima também fala muito de como eu sou por dentro. Estou numa fase de me amar e isso inclui desde as coisas que eu sinto e faço até como eu sou por fora. Às vezes as minhas amigas dizem que eu sou narcisista, mas não é isso. Chega uma hora que você percebe que não adianta querer seguir uma regra que as pessoas querem colocar. Você começa a se perguntar “por que”, já que não existe motivo pra se preocupar além de estar bem consigo mesma e com saúde. Eu não tenho que ser de nenhum jeito além do que eu sou. Acho que, quando a gente passa por uma experiência de quase morte, começa a se preocupar com o que de fato é importante e deixa de perder tempo com coisas que são apenas detalhes.

AGF: Por último, a pergunta padrão do blog: imagine que você lerá essa entrevista daqui a 10 anos. Que recado você daria para a Thayná do futuro??
T: Eu queria dizer pra Thayná de daqui a 10 anos: “O que realmente importa é cada toque que foi dado na sua alma. Continue sentindo”.


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LIGEIRINHAS

Um lugar. Campos do Jordão
O que te tira o sono? Celular! [Risos] Mas em geral durmo bem.
Um medo. Não poder ser mãe.
Uma frustração. Não ter concluído Serviço Social.
Um sonho. Ser mãe, biológica ou adotiva.
Café ou Toddynho? Nescau... [Risos]
Um superpoder. Teletransporte.
Um filme. Intocáveis.
Uma música. Linha do Equador - Djavan.
Foi golpe ou não foi golpe? Foi goooolpe. Fora Temer!
Manda nudes? Menina, gosto! Amo foto nua. [Risos]
Três perfis para seguir no Instagram: @vejocores, @zackmagiezi e @gabrielaisaiasphotos
Um cheiro. Floratta in Rose. 
Uma palavra. Resiliência.
Uma pessoa. Evelyn Brum.


⇢ Para ver mais fotos de Thayná clique aqui e acesse o meu Flickr.

Um comentário:

  1. Thay... vc tá linda... sucesso... amei vc falando sobre a sua mãe, ela é muito guerreira...

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