Mulher negra e de todas as cores

Formada em Pedagogia pela UFRJ, Bruna adorou trabalhar com a educação de jovens e adultos (FOTO: Gabriela Isaias)
A mulher da foto acima é Bruna. Sua pele, como ela mesma diz, é negra, seus cabelos são o espelho de sua própria vontade. As cores que veste na imagem são os mesmos tons com que vê a vida: alegres e coloridos. Seus olhos pretos se transformam em uma linha fina quando ela sorri e sua risada, aliás, poderia tocar no rádio.

Tímida, brincalhona e extremamente sonhadora, Bruna Oliveira é carioca, tem 26 anos e é formada em Pedagogia pela UFRJ. Nascida e criada no Leblon, bairro nobre do Rio de Janeiro, ela já passou por algumas experiências marcantes determinadas por sua cor, mas leva na alma de sonhadora a vontade e a determinação para tornar o mundo um lugar melhor. Com a palavra, ela!

Aquela Garota da Foto: Qual pergunta ninguém nunca te fez e você adoraria responder?
Bruna: [Risos] Não faço a menor ideia! Essa pergunta que você fez agora nunca ninguém me perguntou!

AGF: Você é formada em Pedagogia. Sempre quis esse curso?
B: Eu estava totalmente perdida com relação ao que fazer da vida e fiz alguns testes vocacionais. Deu a área de Humanas, óbvio! Então fui pesquisar sobre os cursos que eu tinha mais afinidade e encontrei a Pedagogia, que se tornou a minha primeira opção no vestibular. Essa profissão não se restringe a dar aula para crianças porque também tem a área hospitalar, cultural, de recursos humanos. Quando entrei no curso fiquei apaixonada e abri os olhos pra muita coisa devido às questões que a Pedagogia aborda. Fiquei encantada com algumas áreas como Psicologia da Educação e Educação Infantil, mas o que mais me surpreendeu foi a Educação de Jovens e Adultos.

Há sete meses a carioca assumiu os fios crespos e deixou a química de lado (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: O que tem de especial na Educação de Jovens e Adultos?
B: Eles são interessados, querem estar ali, aprender mais e têm um objetivo maior do que apenas cumprir as obrigações escolares como a maioria das crianças e dos adolescentes. Ver o interesse deles nas discussões, a evolução e a satisfação de cada um durante os dias em que eu estive presente na sala de aula foi bem bacana. Tinham alunos de 25 a 80 anos na sala e todo mundo se ajudava (até porque alguns estavam mais avançados que outros, mas precisavam cumprir aquele período de aulas).

“Às vezes os homens se interessam pela Educação, mas deixam de fazer Pedagogia por puro preconceito”

AGF: Pedagogia é um curso majoritariamente feminino?
B: Na minha sala tinha um garoto. Só. Às vezes os homens se interessam pela Educação, mas deixam de fazer Pedagogia por puro preconceito, achando que o curso só gira em torno de crianças e escolas ou temendo a reação dos outros (família e sociedade) por ser uma área com muitas mulheres. Então eles buscam outros cursos mais específicos, como Letras, Geografia ou História. Mas não são apenas mulheres que podem ser professoras, principalmente de crianças. Alguns dos poucos alunos homens da minha faculdade trabalham com educação infantil, por exemplo. Só que muitas escolas ainda pensam “como é que vou colocar um professor em uma sala de educação infantil que vai ajudar a levar as crianças ao banheiro? O que os pais vão pensar?”, coisas assim.

Ela diz que diversas vezes acharam que sua mãe era sua babá devido à diferença de cor entre elas (FOTOS: Gabriela Isaias)

AGF: Há sete meses você decidiu assumir seu cabelo natural. Por que não quis mais fazer química?
B: Já alisei, já relaxei, já fiz permanente afro… Só nunca pintei! [Risos] Mas o alisamento, por exemplo, foi sem querer. A química não deu certo, acabou ficando liso por acidente e eu virei escrava da chapinha. Fui deixando crescer naturalmente e depois relaxei o cabelo porque queria que ele crescesse mais rápido. Fui cortando o restante da química do alisamento, mas me tornei dependente do relaxamento porque fazia todo mês! Depois de quatro anos de relaxamentos, quando a minha raiz começou a crescer, resolvi que não queria mais aquilo. Coincidiu de estar todo mundo largando a química e assumindo o cabelo natural. 

“Estou sob pressão. Tenho que estar em um padrão estético e não sair dele por conta dos outros”

AGF: Você já sentiu algum tipo de pressão estética? Alguém te pressionou ou você mesma se exigia muito?
B: Não consigo relacionar meu cabelo à alguma pressão porque foi um processo completamente natural. Mas em relação ao corpo: sim, estou sob pressão. Tenho que estar em um padrão estético e não sair dele por conta dos outros. Claro que penso na minha saúde em primeiro lugar e hoje não deixo de fazer coisas por causa do meu corpo, mas já deixei.

AGF: O que você já deixou de fazer por causa do seu corpo?
B: Ir à praia, por exemplo. Mas olha que contraditório: nossa sessão de fotos foi na praia! [Risos] Só que eu já deixei muito de ir dar um mergulho com alguém por vergonha do meu corpo, de não estar em um padrão. Esse é o exemplo mais gritante porque, dependendo de como eu tô, ainda posso fazer isso. Ah! E balada. Já deixei de ir em algumas nights porque eu sabia que teria um tipo de mulheres e que eu não me sentiria confortável ali tanto por conta do corpo como por causa do estilo.

Assumir o cabelo natural mudou a relação de Bruna com ela mesma (FOTOS: Gabriela Isaias)

AGF: Você já sofreu algum tipo de preconceito?
B: Já. [Pensativa] É curioso, mas, em uma viagem para o Nordeste, com o meu namorado, na época, cheguei no restaurante do hotel para tomar café da manhã. Só que sabe quando você sente que todo mundo tá te olhando? Parecia que as pessoas não paravam de me olhar. Fui, me servi, sentei na mesa e comentei “nossa, parece que todo mundo tá me olhando” e o meu namorado falou “você reparou que não tem nenhum negro aqui?”. Era surreal. Não tinha um funcionário nem um hóspede negro além de mim. Claro, ninguém me tratou mal, me agrediu ou me xingou, mas você sente que teve aquela curiosidade. As pessoas me olhavam meio que de rabo de olho, cochichavam. Até andando com o meu namorado na rua eu sentia isso, já que ele era branco e eu sou negra. Mas o clássico é você entrar em loja e não ser atendida. Ah! Quando eu e meu irmão éramos crianças, achavam que a nossa mãe [uma mulher branca] era babá da gente!

AGF: E como é ter uma mãe branca e um pai negro? Você notava reações diferentes das pessoas com relação aos seus pais?
B: Eu tenho mais contato com a família da minha mãe porque eles moram aqui no Rio. Então pra mim é muito natural porque meus primos são brancos. Mas isso até o dia em que eu comecei a estudar em uma sala onde o meu primo também estudava. Era aquele choque dos alunos falarem “ué, mas como ele é seu primo?”. Aí a gente tinha que explicar que minha mãe era casada com um negro, etc etc etc.

Preocupada com o corpo, ela conta que já deixou de fazer algumas coisas por vergonha (FOTO: Gabriela Isaias)

AGF: Ainda sobre esse tema, tiveram outros episódios que te marcaram?
B: Eu estagiava em uma escola privada e um dia levei uma menininha ao banheiro. Ela era branca e tinha uns três anos, mais ou menos. Então ela me perguntou por que a minha cor era desse jeito, “igual a chocolate”. Eu respondi explicando que a minha cor era chocolate porque a cor do meu pai também era. Também falei que a cor da minha mãe era clara igual a dela, mas ela fez uma carinha curiosa tipo “É?”. Aí eu mostrei uma foto e ela disse “eu gosto muito da sua cor”. Gente, ela não sabe o quanto aquilo foi significativo pra mim! Ah! Também teve um episódio com o meu irmão, quando nós éramos pequenos. A gente estava em um supermercado e ele tinha acabado de sair da natação. Por isso ele estava de sunga e shortinho. Enquanto eu e minha mãe fazíamos compras, ele foi pegar um biscoito e voltou. Quando ele chegou perto da gente o segurança mercado veio rápido e perguntou se ele (meu irmão) estava incomodando a minha mãe. Nossa! Eu era criança também, mas lembro que a minha mãe ficou puta na hora. O que o segurança quis dizer? Que tinha um pivetinho pedindo biscoito. Perguntou se ele tava incomodando, se queria que tirasse ele… Enfim, não era pra ele ter sido tratado assim nem se não fosse filho da minha mãe.

“Lembro de acharem que por ser negra e morar no Leblon eu devia ser filha de algum porteiro”

AGF: Você cresceu no Leblon, um bairro nobre da cidade, com muitos artistas, Manoel Carlos. Você sentiu alguma diferença no tratamento das pessoas quando descobriam isso?
B: Manoel Carlos! [Risos] Todo mundo falava do Manoel Carlos! [Risos] É meio complexo porque tiveram vários ciclos de pessoas na minha vida. Quando eu era criança reagiam de um jeito, no Ensino Fundamental e Médio de outro, na faculdade de outro modo também. Mas lembro de acharem que por ser negra e morar no Leblon eu devia ser filha de porteiro, coisas assim. Na faculdade foi diferente porque Pedagogia não é um curso elitista: você nunca pensa que uma pessoa rica vá fazer Pedagogia. Então quando eu falava que era do Leblon as pessoas achavam que eu tinha dinheiro. [Risos] Só que agora eu me mudei para Jacarepaguá [bairro da zona oeste do Rio de Janeiro], terra de tão tão distante [Risos]. Quando descobrem que eu morava no Leblon ficam “nossa, sério?”, “por que veio parar aqui?”, “que legal!”, “viu muito artista?”, “conhece o Manoel Carlos?” [Risos]

A pedagoga explica que "o racismo clássico" é ser ignorada ao entrar em alguma loja (FOTOS: Gabriela Isaias)

AGF: Você tem muitas amizades virtuais. Quando e por que você começou a fazer amigos na internet?
B: Desde criança sempre fui muito ligada em internet. Entrava em salas de bate-papo para jogar RPG de Harry Potter, coisas assim. [Risos] Desse jeito eu conheci algumas pessoas e fui fazendo amigos. Logo depois veio o Orkut e tinham aquelas comunidades, lembra? Eu era membro de uma chamada Eu Amo Meu Namorado. [Risos] Nessa comunidade a galera postava dúvidas, escrevia relatos, aconselhava sobre a vida. Então o pessoal mais ativo dos fóruns tinha uma grande intimidade e acabou criando um grupo menor de, vamos dizer, coisas femininas. [Risos] Com o passar do tempo esse grupo do Orkut migrou pro Facebook e os laços entre a gente ficaram ainda mais fortes. De lá pra cá conheci algumas meninas, fui pra casa de outras, participei de encontros anuais… Teoricamente nós nos conhecemos por causa dos nossos namorados. Só que algumas casaram, umas estão solteiras, outras trocaram de namorados, algumas se formaram, teve quem se mudasse do país e, mesmo assim, até hoje a gente continua mantendo o contato. 

Extremamente sonhadora, Bruna é apegada ao irmão e se considera uma boa ouvinte (FOTO: Gabriela Isaias)

AGF: Imagine que daqui a 10 anos você vai ler essa entrevista. Que recado a Bruna de hoje mandaria para a Bruna do futuro?
B: “Olha, Bruna, se joga, se entrega e não tenha medo. Arrisque e, mais importante, deixa a timidez de lado e se joga porque a vida é muito curta pra ser vivida.”


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LIGEIRINHAS

O que te tira o sono? Fome! [Risos]
Um medo. Solidão.
Uma frustração. Ser indecisa.
Uma saudade. Infância.
Café ou Toddynho? Toddynho.
Um superpoder. Teletransporte.
Maternidade. Amor incondicional
Um filme. Up - Altas Aventuras.
Foi golpe ou não foi golpe? Foi golpe.
Manda nudes? Não, vai que cai na net... [Risos]
Três perfis no Instagram. @artedeviverbr, @hugogloss e @sigaosbaloes.
Um cheiro. Praia.
Uma pessoa. Meu irmão.
Uma palavra. Amor.


⇢ Para ver mais fotos de Bruna clique aqui e acesse o meu Flickr.



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