Quando tudo se iluminou

Na reta final do curso de Rádio e Tv, Mariana prepara um documentário como conclusão de curso (FOTO: Gabriela Isaias)
Foi num dia cinza e nublado que tudo se iluminou. A previsão dizia que chuva, chuva mesmo, só no fim da tarde. Mas a meteorologia errou e logo de manhã o tempo já tinha virado. A tarde era úmida, o mar estava agitado e o vento era tão forte que até as gaivotas tinham dificuldade de levantar voo. Foi quando apareceram aqueles cachinhos cor de fogo e uma expressão preocupada se desculpando pelo pequeno atraso.

Mariana tem os olhos apertadinhos, um sotaque maranhense tímido e divide seu tempo entre o término da faculdade de Rádio e Tv, na UFRJ, a fotografia, seu canal no Youtube e a paixão entre escrita, música e cinema. Nessa entrevista Mari Parga fala sobre sua vida simples lá no Maranhão, as dificuldades enfrentadas por quem mora na residência estudantil e a importância da transição capilar em seu processo de auto-descoberta.

Aquela Garota da Foto: Eu não posso começar esse bate-papo sem falar do seu canal no Youtube! De onde surgiu essa ideia?
Mariana: Descobri dentro do curso de Rádio e Tv [Audiovisual] que a melhor maneira de me expressar é através da imagem e do áudio. Eu gosto de escrever, cantar e tocar instrumentos, mas o audiovisual é a maneira mais verdadeira que eu encontrei de demonstrar meus sentimentos.

“Eu precisava de algo que me fizesse ter coragem de levantar nas épocas difíceis”

AGF: E quando você decidiu fazer?
M: O lugar onde eu moro [residência estudantil] nunca foi o lugar mais confortável de se viver, então eu precisava de algo que me fizesse ter coragem de levantar nas épocas difíceis. O canal no Youtube veio pra ajudar em todo esse processo de expressão artística e na rotina também: além da faculdade eu tinha um motivo para levantar, sair de "casa", porque além de me divertir eu poderia fazer um vídeo sobre o assunto. Hoje eu vivo e gravo e isso é bem natural no meu cotidiano.

Apaixonada por arte, Mari escreve, fotografa, atua e se arrisca nas notas musicais (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: Dentre esses talentos (atuar, cantar, dirigir e escrever) qual você descobriu primeiro?
M: A atuação! Com 8 anos descobri que gostava de interpretar, que ler um texto, decorá-lo e transformá-lo em realidade era algo que eu amava. Depois veio a música, a escrita e finalmente o cinema.

AGF: E você já fez teatro?
M: Nunca fiz um curso propriamente dito, mas já participei de um grupo teatral chamado "Entrecena" quando estava no ensino médio e mesmo depois de acabar a escola continuei participando até onde deu.

“É como se eu estivesse me abrindo para o mundo, deixando as dores saírem e as felicidades também e assim acabo tocando outras pessoas”

AGF: Você disse que a arte te faz seguir em frente até hoje, quando você tem alguma dificuldade. Pode falar mais sobre isso? De que forma o que te toca te faz seguir em frente?
M: É complicado falar sobre isso, mas vou tentar ser o mais clara possível. Em relação ao conteúdo que eu produzo na internet, é necessário que exista um comprometimento com as pessoas que assistem, além de si mesmo, claro. Então saber que a partir do momento que você coloca na sua mente que precisa fazer aquilo semanalmente ou diariamente, você tem um motivo para criar coisas, pensar em novos conteúdos, ter ideias de novos vídeos, planejar… Isso faz com que a mente esteja sempre trabalhando. Além disso também há a questão de colocar pra fora os sentimentos através de sensações audiovisuais. O que eu sinto e o que minha mente imagina, é transformado em texto e depois em imagem, às vezes diretamente em imagem/vídeo (sem ter uma escrita anterior). É como se eu estivesse me abrindo para o mundo, deixando as dores saírem e as felicidades também e assim acabo tocando outras pessoas. É como se eu estivesse sempre em contato com mundo através de outra linguagem, ao mesmo tempo que isso é também fazer contato com o meu interior.

Ela conta que assumir seu cabelo cacheado mudou sua forma de enxergar a si mesma e aos outros (FOTOS: Gabriela Isaias)
AGF: Você é extremamente criativa. Sei que é uma pergunta complexa, mas quais são as suas maiores fontes de inspiração?
M: Tudo o que eu assisto na internet (Youtube, Netflix) e no cinema são fontes de inspiração. Algo que eu vi há vários anos e me impactou de alguma maneira também vai estar quase sempre expresso no que eu faço. Nem sempre isso vai ser visível. Às vezes só a sensação que aquilo me passou já é suficiente para inspirar. Não tenho fontes muito específicas, como artistas conhecidos, diretores lendários. Tudo o que vejo já é uma inspiração, inclusive algo que eu não goste, já que não faria parecido. [Risos]

AGF: Você disse que não tem artistas ou diretores em específico que te inspiram… Mas se você pudesse escolher "o melhor de cada área", quem você escolheria?
M: No cinema gosto muito do Eduardo Coutinho, que fez muitos documentários. Não considero o melhor, mas quando vi os trabalhos dele pela primeira vez fiquei encantada. Na área da fotografia gosto do trabalho do Bruno DelBonnel, que dirigiu a fotografia do filme "O Fabuloso Destino de Amelie Poulain".

Mariri, como é chamada pelos amigos, mantém um canal no Youtube em que compartilha sua rotina (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: E entre filmes, livros ou músicas, quais os seus favoritos?
M: Um filme: Elena. Um livro: Eu sou o Mensageiro (na época que eu li foi muito importante pra mim, então preciso reler pra saber se ainda tem o mesmo valor). E música: A Bailarina e o Astronauta.

AGF: E Mari, quando você decidiu vir ao Rio? Por que fazer faculdade aqui?
M: Curioso você fazer essa pergunta depois de eu ter respondido a música que pode ser considerada a minha favorita porque ela marca exatamente essa fase de mudança. Ela diz: "Eu sou uma bailarina e cheguei aqui sozinha/não pergunte como eu vim/porque já não sei de mim/do meu circo eu fui embora/eu sei que minha família chora/não podia desistir/se um dia como um sonho/ele apareceu pra mim". 

“Pensava que morando no Rio teria oportunidade de cursar Jornalismo e também aproveitar a cidade para desenvolver a atuação, fazer cursos de dramaturgia, testes para filmes e novelas”

Decidi que iria morar no Rio de Janeiro quando descobri que aqui eram gravados a maior parte das novelas e filmes brasileiros. Como eu queria ser atriz, achava que esse seria meu destino, mas isso ainda na infância. Quando terminei a escola e finalmente tive nota suficiente para cursar a UFRJ, decidi vir para estudar Jornalismo, então eu já havia mudado meu objetivo. Mas no fundo pensava que morando no Rio teria oportunidade de cursar Jornalismo e também aproveitar a cidade para desenvolver a atuação, fazer cursos de dramaturgia, testes para filmes e novelas, etc. Só que no meu curso [Comunicação Social] os estudantes podem escolher uma área específica depois do ciclo básico. Então mudei de Jornalismo para Rádio e Tv e acabei na área que sempre quis, mas em outra perspectiva: ao invés da atuação, a direção.

A maranhense se mudou para o Rio de Janeiro sozinha em meados de 2012 (FOTOS: Gabriela Isaias)
AGF: E você já dirigiu filmes ou curtas?
M: Já fiz a direção de fotografia de dois trabalhos audiovisuais: um documentário e um curta metragem, além de ter trabalhado na produção de outros projetos. Nunca fiz direção geral, mas pretendo fazer em breve quando acabar o curso.

AGF: Esses trabalhos estão disponíveis pra assistir online?
M: Por incrível que pareça, os dois trabalhos que fiz a direção de fotografia estão em fase de pós-produção (edição). A maior parte dos meus trabalhos atuais se encontram aqui nesse link. Mas mesmo que alguns trabalhos não estejam no canal, eu sempre divulgo de alguma forma e falo sobre eles. É possível ver o teaser de um desses dois trabalhos aqui.

Após entrar na faculdade, Mariana descobriu que os vídeos são a sua melhor forma de se expressar (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: Agora me conta como era a sua vida em São Luís?
M: Eu tenho dois irmãos mais velhos, ambos têm filhos e eu sou tia de cinco crianças lindas! Nós éramos cinco lá em casa e nossa vida sempre foi muito simples. Tivemos o suficiente pra sobreviver e algumas fases de extrema dificuldade financeira. Nunca foi fácil. O que eu mais lembro é de ter visto que foi feito todo o possível pelos meus pais para que eu concluísse a escola e pudesse entrar em algum curso. Apesar de ter vivido com meus pais a vida toda até ir para o Rio, minha família (tias, tios e avó) também sempre ajudou no que foi possível. Até hoje tenho o apoio deles pra conseguir terminar a faculdade.. 

“Perceber que eu estava completamente sozinha, em um local com uma infraestrutura opressora [...] me fez começar a ter dificuldades sérias comigo mesma”

AGF: No início da entrevista você disse que a residência estudantil não é um lugar muito confortável. Como foi a mudança do lar dos seus pais para um lugar em que estava totalmente independente?
M: Eu precisava estar sozinha para prosseguir com meus estudos. Lá em casa começaram a surgir problemas e eu não tinha muita paz mental para estudar. Ir para a residência foi a melhor coisa nesse sentido, pois eu podia parar pra pensar em mim, no que eu realmente queria e não somente no que era imposto para mim. Só que também junto a isso vieram dificuldades maiores do que as que passei na minha casa no Maranhão. Perceber que eu estava completamente sozinha, em um local com uma infraestrutura opressora, onde até para sair nos finais de semana era complicado me fez começar a ter dificuldades sérias comigo mesma. E isso acontece com a maior parte dos moradores lá [no alojamento estudantil]. O nosso psicológico começa a sofrer muito em local esquecido pela universidade. Algumas pessoas têm crises de pânico, outras problemas para socializar. Comigo não foi diferente, era uma luta constante para não desistir e voltar para casa. O que me fazia ter forças para continuar era o sonho de me formar, entender sobre algo que eu mesma corri atrás para conhecer..

AGF: O que você disse ilustrou as dificuldades, principalmente psicológicas, que os jovens que vivem no alojamento estudantil têm ao lidar com a pressão da universidade. Alguém que você conheça desistiu de se formar?
M: Com certeza! Dizem que a gente faz duas graduações morando lá: o curso e o tempo morando na residência. Eu não cheguei a conhecer alguém intimamente que desistiu, mas o tempo todo ouvimos histórias de pessoas que voltaram para casa, ou pior, que tentaram tirar a própria vida por tanta pressão.

Extremamente sensível, ela conta que encontra inspirações a partir de tudo com o que tem contato (FOTOS: Gabriela Isaias)
AGF: Mudando a temática e voltando um pouquinho para o mundo do cinema, me diz: Se a sua vida pudesse ser exatamente igual a de um personagem de um filme qual você escolheria ser?
M: Eita! Que complicado! A maior parte dos filmes que eu assisto tem personagens com histórias muito pesadas ou conflitantes demais... [Pensativa] Mas pra não demorar mais do que já estou demorando pra responder, vou citar Amelie [de "O Fabuloso Destino de Amelie Poulain"]! Gosto do jeito misterioso e forte que ela tem, da curiosidade de tentar entender tudo.

AGF: E se a sua vida fosse um filme qual seria o título?
M: Hmmm... Seria "Apenas uma vez". Só pra lembrar que todos os dias são únicos.

AGF: Você canta, escreve, dirige, atua e fotografa. Mas se você pudesse acordar desfrutando de uma nova habilidade, qual seria?
M: Ter habilidade para consertar coisas eletrônicas! Nesse mundo contemporâneo as coisas se perdem e se desgastam com muita facilidade pra que a gente tenha que trocar o tempo todo, fazer upgrades e gastar mais. Então se eu pudesse consertar, não precisaria gastar tanto.

AGF: Agora me diz qual é o seu guilty pleasure? Aquilo que você ama fazer, mas tem vergonha de falar pras outras pessoas.
M: Caramba! Eu não sei se tenho algo secreto assim a ponto de ter vergonha de falar que faço… Tudo meu é tão explanado no meu canal [do Youtube] que tenho até dificuldades em perceber os limites entre o público e o privado.

Mariana é a mais nova de três irmãos e tem cinco sobrinhos (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: Agora vamos falar sobre o seu cabelo! Quando e por que você fez a primeira química?
M: Eu sempre fui muito insegura com a minha aparência (é bem difícil achar alguma mulher nesse mundo que não tenha sido, não é mesmo?). Mas era tão "natural" e "automático" que eu nem percebia que tinha essa insegurança. Fiz relaxamento a primeira vez no meu cabelo porque ia para uma formatura e compraram o produto para mim. Então não foi exatamente porque eu quis. A partir daí existiu a pressão pra que eu continuasse deixando os meus cachos relaxados e posteriormente lisos. 

[Ao se libertar de padrões] a gente percebe que todo mundo tem o direito de ser como quiser”

AGF: Nos últimos anos você mudou radicalmente do visual liso e castanho para o cacheado e ruivo. Como essa transição capilar mexeu com a sua identidade?
M: Quando eu voltei para os cachos foi tão natural quanto o momento que eu os tirei: um dia eu cansei e parei de fazer qualquer processo químico. Depois de quase um ano que eu já estava com os cachos reaparecendo foi que percebi que aquela era eu. De uma menina contida e “pra dentro”, percebi mudanças que fizeram com que eu passasse a gostar muito mais de tudo o que me faz ser eu. As inseguranças talvez nunca deixem de existir, mas com certeza virão com menos intensidade e regularidade. Todo esse processo também mexeu muito com a forma que eu via as outras mulheres. Então onde eu posso defender as outras minas, defendo, onde posso falar bem, falarei, e sempre incentivarei as garotas com quem eu tenho intimidade a se aceitarem (as que eu tiver algum contato e derem essa abertura, claro). Se libertar de padrões muda não só a nós mesmos, como também a maneira como enxergamos o próximo. A gente percebe que todo mundo tem o direito de ser como quiser.

Atualmente, Mari tem se dedicado ao documentário que produz com seu namorado e à fotografia (FOTOS: Gabriela Isaias)
AGF: Quero saber quais são seus próximos projetos.
M: Atualmente eu comecei a fotografar mulheres, que nem a Gabriela Isaias, pessoa linda que está me entrevistando! [Risos] Não sei onde isso pode me levar, mas estou gostando muito e talvez continue aprimorando esse lado profissional. Também pretendo montar uma produtora em breve, ainda vou planejar todo o direcionamento, público alvo, essas coisas. Mas antes de tudo isso preciso concluir a edição de um documentário que é o meu projeto do TCC.

AGF: E sobre o que é seu documentário?
M: É sobre moradores da residência estudantil, justamente o que falamos no início da entrevista. Queremos tornar visível aquilo que fica oculto. Mostrar que, por mais óbvio que possa parecer, existem seres humanos ali dentro com histórias únicas, sonhos, planos para o futuro. Doze pessoas tiveram a oportunidade de falar sobre si e sua trajetória no alojamento. Falei um pouco sobre isso nesse vídeo aqui.

AGF: Agora, pra encerrar, imagine que você vai ler essa entrevista daqui a 10 anos. Que recado você daria hoje a você mesma no futuro?
M: Eu diria “Ei, moça. Espero que você tenha continuado com essa humildade aí!”:


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LIGEIRINHAS

O que te tira o sono? Tudo! Eu tenho insônia.
Um medo. Morte.
Uma frustração. Não ter aprendido inglês quando mais nova.
Uma saudade. Minha casa e família.
Um sonho. Ser reconhecida pelo que eu faço profissionalmente.
Café ou Toddynho? Café pra viver! [Risos]
Um superpoder. Teletransporte!
Um defeito. Não gosto de má interpretações.
Maternidade. Quero muito em um futuro não tão distante.
Uma música. Dare You To Move - Switchfoot
Foi golpe ou não foi golpe? Foi golpe! Está sendo!
Manda nudes? Não, a internet e as pessoas não são confiáveis.
Três perfis para seguir no Instagram: @gabrielaisaiasphotos, @maririparga e @luizajunquerida.
Um cheiro. Do meu namorado!
Uma palavra. Respeito
Uma pessoa. Minha mãe.


⇢ Para ver mais fotos de Mariana clique aqui e acesse o meu Flickr.


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