Uma intensidade fascinante

Maísa Furtado posa em clima intimista no Rio de Janeiro (FOTO: Gabriela Isaias)

Apesar do rosto doce, os cabelos vermelhos revelam a personalidade explosiva de Maísa. Aos 13 anos ela decidiu ser psicóloga. Com 14 fez sua primeira tatuagem. Dos 15 aos 17, coloriu e descoloriu os cabelos com quase todos os tons do arco-íris. Aos 18 saiu da casa dos pais para cursar faculdade na cidade grande. De lá pra cá já viajou para lugares exóticos, descobriu-se feminista e enfrenta seus medos a cada dia.

Psicóloga formada na UFRJ em 2014, Maísa Furtado é apaixonada pela sua avó, sonha alto e tem as metas de vida coladas na porta da geladeira. Nessa entrevista ela falou sobre religião, como lida com a sua profissão e a dificuldade em aceitar e gostar do próprio corpo.

Aquela Garota da Foto: Na sua casa as pessoas são mais conservadoras ou liberais? Vocês conversam sobre tudo?
Maísa: Minha família não é das mais liberais de todas. Eu morei até os 18 anos com meus pais, meu irmão mais novo e a minha avó e saí de Petrópolis pra fazer faculdade no Rio. Meus pais não chegam a ser aqueles hippies, mas são liberais. Eu converso com a minha mãe sobre tudo. A primeira vez que fui a motel contei pra ela, então meus pais são bem tranquilos. Só são mais conservadores sobre drogas, mas eu era uma adolescente que tinha cabelo colorido, por exemplo, então acho eles bem abertos.

AGF: Você tinha cabelo colorido! Quais foram as cores? Sempre foi vermelho?
M: Eu sempre quis ter cabelo vermelho! Na verdade, comecei a pensar no assunto mais ou menos na época em que decidi ser psicóloga, com uns 13 anos. Mas a minha mãe enchia muito o meu saco dizendo que eu iria estragar o cabelo passando tinta e só me deixava usar aqueles tonalizantes. Com uns 15 anos comecei realmente a descolorir. Primeiro pintei as pontas de azul, depois rosa, roxo, verde… Só depois descolori a parte debaixo do cabelo e a partir daí eu não me lembro mais. Acho que fiquei um tempo com o tom natural, um acaju, e depois pintei de vermelho. Nem sei quanto tempo faz que tenho meu cabelo dessa cor! Deve ter uns quatro ou cinco anos. Ah! E detalhe: quando meu cabelo era verde, não era só verde: era verde limão! [Risos] Foi uma fase muito boa.


“Fiz a minha primeira tatuagem aos 14 anos"



AGF: A sua primeira tatuagem também foi mais ou menos nessa época, certo?

M: Desde os 12 anos eu quis fazer uma tatuagem. A minha mãe ficava louca com isso! Aí aos 14 eu fiz a minha primeira, uma estrelinha no pescoço, e com 16 fiz uma tartaruga que tem todo um significado, a minha história de vida e eu costumo não contar pras pessoas. 



Maísa praticou pole dance por dois anos (FOTOS: Gabriela Isaias)

AGF: Você é bem engajada com o feminismo. Sempre foi assim ou esse assunto entrou na sua vida aos poucos?

M: Não sei nem se eu era coxinha até sair do colégio, mas acho que depois que saí de Petrópolis a minha cabeça abriu muito e a faculdade foi fundamental pra isso. A Psicologia da UFRJ é um curso muito mente aberta, às vezes acho que até demais porque ficam querendo fazer sarau de tudo [risos], desconstruir tudo, e de vez em quando isso me incomoda. Nunca fui muito patricinha, ficava refletindo muito sobre as coisas, mas eu não me lembro de me considerar feminista. Depois que vim pra cá que comecei com essas reflexões. Só que eu nunca fui de achar que mulher não pode responder. Ficava revoltada com os pais machistas das minhas amigas que colocavam mil regras absurdas pra elas seguirem. Eu vivia criticando isso.



AGF: Com dois homens em casa (pai e irmão), você leva temas como esse para a de mesa de jantar, por exemplo?

M: Machismo nunca foi um problema lá em casa. Levar namorado pra dormir, por exemplo, tanto eu quanto meu irmão, que é mais novo, podíamos levar. Mas eu levo essas discussões pra família sim e, inclusive, para as sessões de terapia, como profissional. As minhas pacientes são na maioria mulheres e eu procuro fazer elas refletirem sobre o que a sociedade impõe para nós sermos, o que é tido como certo e errado. Na verdade eu levo essa temática até pros pacientes homens, porque o machismo também atrapalha bastante a vida deles.

“Levo o feminismo para as sessões de terapia e procuro fazer as minhas pacientes refletirem sobre o que a sociedade nos impõe"

AGF: Você falou um pouco sobre a sua profissão. De onde surgiu esse amor pela Psicologia? Você sempre quis estudar essa área?
M: Bom, eu sempre tive um lado existencialista. Não sei se veio da própria religião, já que os meus pais são espíritas e eu cresci no centro espírita. De repente os conceitos do Espiritismo, o cuidar do próximo, tenham me feito querer ter profissões que ajudassem alguém. Então, lá com uns 13 anos, pensei em fazer Direito pra defender as pessoas, mas fiquei em dúvida se eu teria que defender o bandido [risos]. Como gostava muito de escrever nessa época, também pensei em ser jornalista. Mas com 14 anos decidi que iria ser psicóloga. Aos 16 cheguei a repensar se queria Psicologia ou Psiquiatria, mas sempre soube que queria atender, não ficar só receitando remédio.

Pisciana, ela considera sua personalidade forte e explosiva (FOTOS: Gabriela Isaias)
AGF: Você é espírita?
M: Não, hoje em dia eu não sou espírita, sou ateia.

AGF: O que te levou a desacreditar no Espiritismo?
M: Sempre contestei muito o Espiritismo, mas acho que esses valores bons que adquiri no centro espírita me acompanharam. Eu era uma criança chata com religião, ficava muito curiosa sobre a parte da reencarnação, sempre perguntava mil coisas pros meus pais, questionava tudo. Brinco com meu pai hoje que eu sou uma pessoa de pouca fé [risos]. Me lembro de rezar, mas sempre tive as minhas dúvidas. Ficava pensando “ah, a gente morre, nossa alma vai pra algum lugar, mas a alma do cachorrinho também vai?”, essas coisas assim. Sempre fui muito questionadora e quando eu cheguei no Rio a faculdade ferrou tudo com aquelas aulas de Filosofia! Acho que a gente se dá muita importância em achar que tudo isso foi criado pra gente, não vejo muito sentido.

AGF: Vocês, psicólogos, passam o dia no consultório escutando os problemas dos outros. Como vocês fazem para não saírem “pesados”e levarem os casos dos pacientes com vocês? Esse impasse mudou com o tempo ou hoje em dia você ainda tem dificuldade em lidar com isso?
M: Essa é uma coisa difícil que não sei se consigo fazer bem até hoje. É uma das coisas mais complicadas pra mim. No início eu ficava bem mais ansiosa, levava tudo com uma responsabilidade muito grande. Um dia uma amiga minha, que é médica, falou pra mim que o trabalho tinha que ser uma parte da minha vida, não a minha vida. E, realmente, acho que hoje eu ainda vivo muito pra trabalhar. Tento mudar isso, principalmente porque entrei em um processo de estresse e depressão e tive que aumentar a minha dose de remédios pra conseguir ficar estável. Cheguei a largar o mestrado e agora que estou aprendendo melhor a fazer essa divisão. Só que não tem uma receita de bolo sobre como fazer isso. O jeito é enquanto você atender tentar estar 100% ali pro paciente e, depois, quando sair do consultório, ficar 100% na sua própria vida, com seus momentos de lazer e as coisas que importam pra você. Com o tempo isso vai ficando mais tranquilo porque a gente vai ganhando mais segurança, as histórias às vezes se repetem, vamos adquirindo mais experiência, confiança e ficamos um pouco mais dessensibilizados. Histórias de trauma ainda impactam a gente, mas não tanto quanto na primeira vez, sabe? Não é que a gente vá ficando frio, nós ficamos mais preparados.

A psicóloga ainda tem dificuldades em ignorar ideais estéticos, como depilação e peso ideal (FOTOS: Gabriela Isaias)
“Muitos psicólogos que eu conheço tomam medicamentos para transtornos psíquicos"

AGF: Você falou que esse ano teve um episódio de depressão. Como psicóloga, você consegue distinguir com facilidade quando está fora do seu estado normal e pede ajuda com mais rapidez ou justamente por saber tanto sobre distúrbios emocionais você teve dificuldade em procurar um médico e aceitar que estava naquela situação?
M: Isso é uma coisa que eu acho importante ser dita. Se tem essa ideia de que o psicólogo conhece todas as técnicas, então ele pode se impedir de ter algum transtorno. Só que não é bem assim, né? Na verdade existem vários psicólogos com transtornos também. Ser cardiologista não te impede de ter problema do coração, mas te deixa mais preparado para prevenir. No meu caso, eu não cheguei em um processo de depressão grave, entrei em um processo de burnout, que é uma exaustão muito grande. Também faço a minha terapia, então uma das coisas que descobri nas sessões foi que sempre que vou fazendo muita coisa pelos outros, me anulando muito, fico frustrada, extremamente cansada, entro em um processo de estresse e reajo a esse cansaço com a depressão. É um mecanismo do meu corpo para me parar. Então acho que ser da Psicologia ajuda deixando os caminhos mais claros já que fica mais fácil de identificar. Mas não sei se é uma regra. Tem gente que, justamente por ser psicólogo, reconhece os sinais, mas fica mais resistente achando que não pode ter aquilo. No início, quando precisei tomar medicação, me senti um fracasso como psicóloga por estar precisando de remédio. Mas descobri que muitos psicólogos que eu conheço também tomam medicamentos para transtornos psíquicos, então hoje em dia não é um tabu pra mim, falo tranquilamente sobre isso com meus pacientes e meus amigos. Qualquer pessoa em algum momento difícil da vida pode precisar e depois retirar o remédio, isso não é problema nenhum.

AGF: Do que você mais gosta em você?
M: [Pensativa] Tô pensando alguns segundos nessa pergunta e não tô sabendo responder. Tenso! [Risos] Não sei o que mais gosto em mim. Provavelmente não é nada físico. Espera, deixa eu pensar. [Nesse momento ela faz uma longa pausa] Não sei se humildade é a palavra certa, mas eu costumo tratar todo mundo de igual pra igual, no mesmo pé. Acho que sou legal com as pessoas nesse sentido e trato todos de uma maneira horizontal. Isso já me trouxe problemas, também, mas acho que é isso, de tratar as pessoas bem não importando quem seja.

AGF: E o que você mudaria na sua personalidade?
M: Eu me deixaria menos explosiva, com certeza.

“Nem todos os discursos feministas conseguem me fazer não ter a raivinha que eu tenho do meu corpo"

AGF: Como é a sua relação com o seu corpo hoje? 
M: Isso é horrível de dizer, mas eu não tô bem com o meu corpo. Acho que nenhuma mulher está 100% bem com o seu próprio corpo e isso é muito chato porque nem todos os discursos feministas conseguem me fazer não ter a raivinha que eu tenho dele. Eu odeio isso, acho um absurdo todas essas cobranças que fazem sobre a gente, mas ainda me sinto bem vítima delas porque me preocupo sim em corresponder ideais estéticos. Propago as ideias do feminismo e luto pra conseguir transformar esses conceitos em parte da minha vida, mas é muito difícil. Queria estar mais definida, com menos barriga do que eu tô, emagrecer um pouco. Acho que nunca me senti muito bem com o meu corpo.

Por já ter passado por cirurgias e anestesias devido à saúde, hoje Maísa descarta cirurgias plásticas (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: Como você enfrenta os seus medos?
M: Ih, essa pergunta é difícil, hein? Não sei, depende de qual medo. No geral eu tento enfrenta-los, só que isso demanda tempo. Não é “ah, tenho medo de barata então me jogo na barata”, tem que ser pouco a pouco. Eu tento enfrentar mais ou menos como oriento os meus pacientes: me expondo ao que tenho medo. Mas, como eu disse, depende do tipo de medo. Às vezes eu tento impedir que ele se torne realidade. Tipo, “tenho medo de não conseguir me sustentar e ir pra debaixo da ponte”. Então tento trabalhar cada vez mais para que isso não aconteça; "tenho medo que os meus pais morram", então eu vejo que está tudo bem com eles, que isso é inevitável e tento me fortalecer pra que no dia em que isso acontecer eu esteja estável emocionalmente e financeiramente.

“Já viajei para a Tailândia com uma mão na frente e a outra atrás"

AGF: Qual foi a maior loucura que você já fez?
M: Eu não me acho uma pessoa muito louca, não! Mas eu acho que a maior loucura foi ter feito um intercâmbio de três meses na Indonésia. De lá eu viajei pra Tailândia com uma mão na frente e outra atrás. [Risos] Acho que foi a maior loucura.

AGF: Por que você escolheu a Indonésia?
M: Eu fiz essa viagem na AIESEC, durante a faculdade. Foi um intercâmbio voluntário e escolhi a Indonésia justamente por ser um destino diferente. Eu queria ir pra algum lugar que me impactasse com pobreza e costumes. Mas não quis um lugar aleatório, queria poder ajudar pessoas que estavam precisando. Eu queria me chocar e realmente tudo isso aconteceu. [Risos]


´Maísa já foi à Indonésia para um intercâmbio voluntário de três meses (FOTO: Gabriela Isaias)
AGF: Você já viajou bastante! Quais foram os lugares que você foi e qual você mais gostou?
M: Tem tanta gente que já viajou mais do que eu! [Risos] É que as minhas viagens foram muito exóticas. Fiz um mochilão no México de 21 dias quando terminei a faculdade, já fui pro Chile, pra Indonésia e pra Tailândia. Portugal e Espanha eu conheci quando era pequena. De viagens internacionais foram essas. Dentro do Brasil fiquei entre o Sudeste e o Nordeste. A viagem da Tailândia foi incrível: deu muita merda, deu muita coisa boa e é um dos lugares mais bonitos que eu já fui.

“Adoro ver aqueles vídeos de espinha e cisto sendo extraídos!"”

AGF: Qual é o seu guilty pleasure? Aquilo que você gosta e tem vergonha de falar pras pessoas que adora?
M: Eu não tenho vergonha de dizer, mas uma coisa que as pessoas acham nojento e eu gosto é ver aqueles vídeos de espinha e cisto sendo extraídos. Eu adoro aquilo! Sigo no Instagram uma doutora americana chamada Dr. Pimple Popper e ela é maravilhosa! Eu fico vendo ela arrancar cravo, cisto e câncer dos outros o dia inteiro!

AGF: Imagine que você vai ler essa entrevista daqui a 10 anos. O que você gostaria de dizer para a Maísa do futuro?

M: Para a Maísa de 36 anos… "Eu espero que você esteja pensando e cuidando bem mais de você, ganhando bem, e, principalmente, tendo muita qualidade de vida. Que esteja conseguindo se organizar e seguindo as metas que você colou na geladeira ontem à noite. Espero que esteja feliz fazendo o que estiver fazendo e que esteja retribuindo um pouco do que os seus pais fizeram por você." Acho que é isso.

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LIGEIRINHAS

O que te tira o sono? Dívidas.
Um medo. Morrer.
Uma frustração. Meu mestrado não realizado.
Uma saudade. Minha avó.
Café ou Toddynho? Toddynho até morrer!
Um superpoder. Teletransporte.
Maternidade. Talvez.
Um filme. Na Natureza Selvagem.
Foi golpe ou não foi golpe? Foooooi!
Manda nudes? Não. (Risos)
Três perfis no Instagram. @drpimplepopper, @biapoledance e qualquer outro de decoração.
Um cheiro. Cheiro de lavanda da fábrica que existia na minha rua e cheiro do perfume do Marllon ♥.
Uma pessoa. Mãe.
Uma palavra. Duas: amor e impermanência.

⇢  Para ver mais fotos de Maísa clique aqui e acesse o meu Flickr.


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